quarta-feira, 4 de agosto de 2010

GOTICULAS DE VELUDO



O silêncio tece gotículas
Surdas de veludo
Com que me visto nua;
Pegadas lúgubres
Que sigo pretas de xisto,
Como marchas fúnebres.
Meu corpo pesado arrasto
Comigo, não sei se existo
Ou extingo, apenas sigo
O que nem eu já sei,
Talvez a pena cinzenta
Que do nada nasceu
Em minhas mãos magoadas
–Mensagem de anjos ou demónios–
Leve, indecifrada,
Enigma perdido entre meus dedos
Como pequenos grãos
E os mortais continuam como
Se nada se passasse, cegos,
Alheios ao que deveriam ver.
Lutas de nada nunca vencem,
Perdem-se no vazio do nada
E transformadas em pó
Para sempre desfalecem.
Acordem, ouçam o nascer
Da alvorada, sintam o sorriso
Pálido da lua, guardem o beijo do mar...
Acordem! Esta vida só se despe
Quando está nua de chuva e trovoada
Por acordar ou quando, caiada de branco,
Se juntam as ondas e a areia vai beijar.



By: Dinah Raphaellus

terça-feira, 3 de agosto de 2010

PINTEI UM DIA



Pintei um dia as cinzas
Da Fénix e no fogo de suas
Barbas meu corpo deixei
Cremar só para poder
Testemunhar o milagre
Que é ver da morte
A alma acordar.


Dinah Raphaellus

OIÇO O MARULHAR


Oiço o marulhar das ondas
Do silêncio e a ausência do cheiro
Maresia invade-me as narinas do vento
Que algures, feito prisioneiro no tempo,
Demora à memória chegar.
Espero num fumo de incenso por esse
Sentimento denso qual língua de mar,
À lua pálida, mastro velas a naufragar...
Acordo... perdida em vielas,
Qual mendiga onde arrasto
Este fardo que é sonhar.

Dinah Raphaellus

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

OLHOS DE MAR...


Olhos de mar caminham
Na multidão que sou
Com balões cheios de nada
Que o vento levou.
Solitário passa o tempo,
Trova de asfalto sedento
De murmúrios a bailar
Em solários de prata, unguento
Num só vestido tormento
De abraços despidos de consolar...
Algures numa cabana
Espero eu esta luz-chama
De olhos cegos estarrecidos a ver o mar...
Tão perto o cheiro lilás do pregão mudo
A chamar baixinho o perfume...
Perfume da brisa a passar.


Dinah Raphaellus

segunda-feira, 19 de abril de 2010

JARDINS DE PÁSCOA


Jardins de Páscoa enfeitam
esta aura que insisto em
trazer comigo, venda e mordaça
com que castigo este corpo
cada vez mais antigo
florindo desmaios
em cada postigo que passa
tecendo dor em cada violeta
que nasça e só a custa espera
o momento que atrasado
tarda em mudar a hora
parada que não chega
nem abraça o estro cativo.


By Dinah Raphaellus

OLHOS MÍSTICOS

Místicos olhos percorrem
as ladeiras encrustadas
de limbos na minha alma.
São pérolas negras, veias, sedas
aveludadas de escarlate carmim.
E nos rosários de cordas formam-se
nós excêntricas obras,
talismãs de marfim, onde
as feras despidas de modas
amordaçam meu corpo,
a terra em trovas e resgatam
meu estro por fim.

By Dinah Raphaellus

BRUMAS


Brumas, brumas de claridades roxas iluminam
o palco desta minha desperdiçada vida
tão intensa de desejo de ser concretamente vivida,
tão curta de tempo e tão consumida!
Quero ser Eu! realizado ser! Em vez da sombra, ténue
silhueta, espírito astral enclausurado entre dois mundos
sem saber sequer qual deles é o real.
Quero voar, asas abertas ao vento da vida
e não abraço fetal de despedida com vontade
de ser espuma mar. Quero alto sonhar, sem sentir culpas
nem penas, sonhar por uma vez sem catapultas ou arenas
sonhar, viver antes que meus olhos se fechem e meu estro queira
desenfreado correr, correr, correr....

By Dinah Raphaellus

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

PASSAGEM

Preferia a textura doce do tempo
Ameno à amarga bebida impura
Qual veneno invernal que nos dilacera,
Mutila qual morte escondida
Na esquina da espera, que astuta
Nos assalta faminta e nos devora
Com requinte de quimera, gárgola
Ou fera que brincando domina
A passagem ou era e como uma tinta
Nos apaga e ludibria, deixamos então
De pertencer à paisagem e o luar
Já não nos espera, só a noite escura
Nosso corpo ausente venera
Nas lágrimas saudosas da chuva
Perdida no esquecimento desértico
Do tremeluzir de uma miragem
Mas, o que é esta vida senão uma passagem?


Dinah Raphaellus

GRITO

A escuridão grita rosas
Negras no silêncio ferindo
As sonoras orquídeas
Amarelo laranja
Duma claridade ausente
De chuvas rubras.


Dinah Raphaellus